sábado, 8 de março de 2014

As Tentações


Chegamos a Quaresma e ouvimos o convite à conversão através da penitência. Não é um tempo para cair na tristeza, ficar acabrunhado, rosto abatido por estar vivendo exercícios penitenciais. Pelo contrário, é motivo de escutar o convite da Igreja que nos provoca a passar pelo “deserto”, no sentido de entrar em profundo silêncio, experimentar um retiro espiritual que possa questionar o nosso coração quanto à vivência do Evangelho. É uma sondagem interior para saber se estamos, ou não, vivendo como seguidores de Jesus. Muitos fazem penitências, mas é bom que sejam bem entendidas, não pode ser um mero cumpridor de ritos externos, mas é preciso ser algo que modifica o coração, quer dizer, não apenas aparecer no exterior, mas sobretudo interferir no interior.
A Igreja está falando de um “tempo favorável” em que muitos rompem com os vícios malditos e prejudiciais a vida, a partir de sérios sacrifícios de penitência. Acontecem muitas transformações para o bem, uns param de ingerir bebidas alcoólicas, refreiam o paladar daquelas comidas mais deliciosas, outros se controlam no falar o que não convém, se contêm em relação à visão de coisas pervertidas, deixam de andar em ambientes que não agregam valores, entre muitas outras mudanças que se coadunam perfeitamente nos tradicionais pilares da Quaresma: Oração, Jejum e Caridade.
Esses exercícios alcançam grande valor se não forem apenas por quarenta dias. Não há razão para se penitenciar tanto se não existir disposição de mudança. Façamos penitência sim, mas em perspectiva de melhorar, de sermos pessoas do bem, gente que antes vivia de forma errada e, após uma avaliação à luz do Evangelho, passou por uma transformação e tornou-se melhor. Então meus caros, vamos ouvir os apelos do Senhor, vivamos intensamente esta Quaresma, aproveitemos esse tempo que nos é concedido, para refletir sobre a importância do Evangelho em nossas vidas.
A Palavra de Deus neste primeiro domingo da Quaresma, nos apresenta a realidade humana envolvida por sua enorme fragilidade e, por isso, sujeita à tentação. No início de tudo, homem e mulher não resistiram as tentações e cederam no Paraíso. Inicia-se o pecado original em Adão e Eva, que trata-se da rejeição do Plano de Deus pela desobediência e presunção arrogante de se sentir igual a Deus, de querer agir como se fosse Deus. Com Jesus não aconteceu assim porque ele resistiu à tentação e foi fiel a Deus. A serpente enganou Adão e Eva dizendo que Deus não os deixou comer o fruto da árvore da vida, para impedir que houvessem adversários. Essa foi a grande mentira. Deus não proíbe com esse intuito mesquinho, mas para que homem e mulher, habitassem a terra vivendo exclusivamente para promoverem a vida.
Eis a grande tentação e o grande pecado das origens, que resultou em nós numa constante inclinação para o pecado. Mesmo tendo sido lavados inteiramente do pecado pelo Batismo, essa tentação está sempre nos rodeando, voltando a nos seduzir. Basta avaliar se os nossos projetos estão sendo pensados com, ou sem, a presença de Deus. Quando estamos longe de Deus, quando queremos Deus distante da nossa vida, quando vivemos mergulhados no nosso egoísmo, pensando somente em nós mesmo, nisto consiste exatamente a mesma tentação de Adão e Eva, achar que não precisamos de Deus. Cuidado! Você que foi batizado, jamais ceda a essa tentação diabólica de ser como o homem velho, tão parecido com Adão e Eva, mas seja como o homem novo que Jesus nos apresentou.
O próprio Jesus enfrentou, repito, sem ceder, graves tentações próprias de um povo que esperava um Messias diferente do que realmente ele era. Esperavam um Messias com poder ao ponto de transformar pedras em pão, um milagreiro espetacular que se preocupasse em trazer benefícios miraculosos e encantadores. Essa expectativa é semelhante a tentação de se viver uma religião unicamente de brilhos atrativos e emoções extraordinárias, sem compromisso com Jesus. Não são poucos os que desejam seguir Jesus por um simples milagre. Jesus nega esse conceito porque não corresponde à sua realidade.
Outra falsa imagem do Messias foi imaginá-lo com o poder capaz de se lançar ao precipício e ser protegido pelos Anjos de Deus. Ora que absurdo! Mas ainda hoje não é diferente, há muitos que agem cedendo a todo tipo de caprichos pessoais e depois culpam Deus por não terem sido salvos na hora marcada. Jesus não concorda com esse tipo de tentação de querer dobrar Deus ao que nós desejamos.
E, por último, o tentador provoca Jesus a apossar-se de todo o poder do mundo, a ser o comandante absoluto de tudo e de todos. O inimigo tentador lhe oferece tudo o que enxergasse de cima do monte. Muito parecido com os arranjos políticos de hoje em dia, não acham? Compra-se aqui e ali o poder de mandar e desmandar. Jesus mais uma vez não cede a essa diabólica tentação e usa a Palavra de Deus para se proteger.
Irmãos amados no Senhor, quanta fidelidade Jesus tem ao Pai, quanta força ele tem para resguardar o Projeto de Deus, como é forte para não deixar sucumbir suas convicções. Que estes exemplos de Jesus nos sirvam para os dias de hoje, onde as tentações continuam existindo, mudaram apenas de nome, mas o sentido é o mesmo e continuam degradando a vida humana. Busquemos na Igreja o apoio evangelizador, que nos encaminhe para o verdadeiro discipulado de Jesus. Nunca cedamos à tentação de viver um falso cristianismo, que se satisfaz na ilusão das multidões emocionadas. Igreja que faz grandes plateias e não consegue formar o mínimo de discípulos e seguidores de Jesus, ou seja, não evangelizam. Recebe aplausos, mas não agradam a Deus. São aquelas falsas evangelizações que pregam unicamente o bem estar, sobretudo econômico, mas no fundo não existe autêntica conversão.
Portanto, longe de nós esse tipo de religião que se preocupa mais em anunciar riquezas do que proteger a vida, esta não é a Igreja de Jesus. A Igreja de Jesus defende a vida. Por isso, o nosso Salvador e Mestre nos convida nesta Quaresma a vencer todas as tentações intensificando uma espiritualidade, que possibilite nos libertar dos prejuízos causados à vida, pelo insano egoísmo de viver somente voltados para o ter, o prazer e o poder. Amém!

Pe. Márcio H. Fernandes
Vigário geral da Diocese de Campina Grande
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