Estamos iniciando os domingos da quaresma. E neste primeiro domingo lemos no evangelho que o Espírito Santo conduziu Jesus para o deserto. E no deserto Jesus foi tentado pelo Diabo. Sempre imaginamos um Espírito Santo que nos proporciona paz, suavidade. A Palavra de Deus aqui nos leva por outro caminho. Se a quaresma é um tempo de conversão que nasce da graça de Deus e da leitura da Palavra, antes de tudo precisamos “converter” a nossa maneira de ler a Palavra e deixar que ela nos oriente, sem que inventemos certos artifícios para diminuir o impacto desta Palavra em nós.
O Espírito conduz Jesus para o deserto. O deserto é o lugar da intimidade com Deus, mas também é o lugar da prova. Deus conduziu Israel para o deserto para “humilhá-lo, tentá-lo e conhecer o que o mesmo tinha no coração” (Deut 8, 2-3). O deserto se torna necessário em toda caminhada espiritual. O deserto é o “lugar” onde mostramos quem somos realmente, onde as nossas máscaras caem por terra. Por isso, que é um “lugar” precioso, dele temos a oportunidade de sair com o nosso “eu” purificado, transformado pela ação de Deus. Pois, Deus se manifesta justamente no deserto como ele fez com Abraão, Moisés, Elias e tantos outros personagens do Antigo Testamento.
O deserto é fruto da graça de Deus. Quando o Senhor quer que um seguidor seu amadureça, dê frutos ele o põe em situação de deserto. Sejam doenças, dificuldades, perseguições ou outras situações, é a terapia divina que destrói o homem velho. Agora que fique bastante claro ninguém tem o direito de maltratar, perseguir os outros, tornar a vida do outro um deserto. Quem assim o faz se prepara por que haverá de prestar severas contas diante de Deus, como diz São Paulo “quem pratica injustiça recebera injustiça e isso sem acepção de pessoas”. (Col 3,25).
Mas se bem soubéssemos, como aproveitaríamos estas situações de deserto para o nosso crescimento humano e cristão. É a hora preciosa do combate, é o momento em que o Pai do céu diz: “avança, cresce, sai de ti mesmo, nasceste para o alto, não ficas rastejando”. Diante dos seus perseguidores Jesus afirmou: “Esta é a vossa hora, e o poder das trevas”. Quer dizer que o homem da maldade tem a sua hora? Tem sim... E Deus, a sua eternidade.
São Josemaria Escrivá dizia: “Somos pedras que se movem, que sentem, que tem uma vontade livre. O próprio Deus é o pedreiro que tira as arestas, arranjando-nos, modificando-nos, conforme deseja, a golpes de martelo e de cinzel. Não queiramos afastar-nos, não queiramos esquivar-nos à sua vontade, porque, de qualquer maneira, não poderemos evitar os golpes. Sofreremos mais e inutilmente, e, em lugar de pedra polida e apta para edificar, seremos um montão informe de cascalho que os homens pisarão com desprezo”. Esta é a finalidade do deserto, nos tornar pedras polidas.
Sempre estou atendendo as pessoas nas mais diversas situações de sofrimento (deserto) e percebo que, muitos perdem a oportunidade que Deus está lhes concedendo de melhorar, de crescer. Não conseguem perceber que as horas amargas da vida não são para derrubar e sim oportunidade para melhorar. Não conseguem aproveitar os espinhos para transformá-los em rosas. Ficam apegados com a dor e não percebem o que de bom podem colher daquela situação. E muitas vezes a dor se transforma em ódio, ressentimento, desejo de vingança. Quando na realidade deveria ser a alavanca que os elevaria até Deus. O deserto os torna cascalho que para nada servem.
O deserto é a intervenção do Espírito Santo em nós. Sem duvida a pessoa sofrerá, por que não está em seu poder escapar a este aspecto da intervenção divina, mas se tiver fé dirá: “Não compreendo nada; aceito, entretanto, o que vem da mão de Deus, aceito este deserto, ele é o melhor para mim neste momento por que é permitido por Deus”. E com esta atitude só poderá colher a vitória e esta vitória é tão grande que a pessoa vive com os animais selvagens que na realidade são as pessoas que provocam com a sua maldade o deserto, mas nem percebem por que goza da proteção dos anjos.
Mas se a finalidade do deserto é a nossa mudança por que Jesus passou por ele? Jesus sabia que jamais venceríamos o deserto sozinho, por isso ele vai a nossa frente, para vencer por nós e nos ajudar a vencer nele. Santo Agostinho diz: “Quando Cristo foi tentado ele representou a todos nós. Em Cristo nós sofríamos a tentação, pois ele assumiu a nossa condição humana para nos dar a salvação. Assumiu a nossa morte para nos dar a vida, assumiu as minhas tentações para me dar à vitória. Se em Cristo fomos tentados, nele também saímos vitoriosos, vencemos o Demônio. Se o cristão é chamado a reconhecer-se em Cristo quando este foi tentado, deve reconhecer-se também nele quando este sai vitorioso”.
Cristo ao enfrentar o Demônio no deserto ele nos conduziu a Deus como afirma São Paulo na segunda leitura. A solidariedade de Cristo para conosco é perfeita jamais ele venceria sem nós, por que nos ama e por isso jamais poderemos vencer sem ele.
Pe. Paulo Sérgio Gouveia
Vigário paroquial da catedral diocesana
Diocese de Campina Grande
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