No nosso itinerário quaresmal estamos a caminho do grande domingo da ressurreição, mas não podemos esquecer que haveremos de passar pela sexta feira santa e é essa verdade que as leituras de hoje nos ajudam a tomar consciência.
Na primeira leitura ouvimos: “Deus pôs Abraão a prova” e a prova é “Toma teu único filho, aquele que tanto amas e oferece-o em holocausto em um monte que eu te indicar”. Abraão é convidado por Deus a subir ao monte para oferecer o seu filho em sacrifício. Imaginemos o combate de Abraão subindo este monte e contemplando o filho quer vai ser oferecido em sacrifício.
Abraão obediente a Deus oferece o seu filho, esta é a imagem de Deus mesmo que segundo Paulo, não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós. Isaac é figura do Filho de Deus.
No evangelho encontramos Jesus que toma consigo Pedro, Tiago e João e sobe a uma alta montanha e ali se transfigura diante deles. Consideremos estes fatos na perspectiva da conversão. Primeiro o de Abraão que sobe a montanha para oferecer seu filho. Esta caminhada de Abraão é figura da caminhada da vida cristã. Todos nós precisamos subir a montanha e toda subida é dolorosa, é difícil. Sempre que medito no mistério do rosário em Jesus sobe o Calvário conduzindo a cruz, lembro-me desta verdade, que sem combate não pode haver vitória e que a subida é dolorosa.
As leituras de hoje nos ajudam a ver tanto o que há de obscuro nesta subida quanto o que há de luminoso no alto da montanha. Subir a montanha significa a transformação que temos que passar para sermos homens novos. A conversão é algo doloroso, difícil, pois, não queremos nos desapegar de nosso Isaac. Mas uma vez acontecendo esta conversão, como tudo se torna luminoso.
A Bíblia diz que Abraão caminhou três dias com o seu filho em direção à montanha, com certeza foram três dias de grande sofrimento para aquele pai. Isaac era o Filho da promessa, o filho da velhice. Deus havia prometido fazer de Isaac um grande povo e agora, o mesmo Deus manda que o menino seja sacrificado. Como pode ser isso? O que Deus estaria querendo com tudo isso? Colocar os seus planos por terra? Jamais Deus faria isso. Quantas perguntas na cabeça de Abraão. Mas ele foi firme e obedeceu. Deus age como quer e quando quer, não somos nós que devemos orientar suas ações.
Aqui vem uma questão muito importante: Por que Deus agiu assim com Abraão? Foi apenas para pô-lo a prova? Não. Era necessário que isso acontecesse com Abraão. Ele estava apegado demais ao seu filho, no lugar de ele olhar para Deus olhava para o filho, o futuro, segundo ele, estava nas mãos do filho Isaac. E não estava, pois o futuro está nas mãos de Deus. Para subir a montanha é necessário desapegar-se de todas as coisas, até mesmo d’aquela missão que Deus nos deu e que nos sentimos donos e achamos que somos “tão necessários” que sem nós ela não se realizaria. O nosso olhar deve estar orientado não para a missão, para o “Isaac” e sim para Deus. Pois, Deus realiza seu plano independente de nós, somos apenas instrumentos que o Senhor eleva e derruba quando ele quer.
Uma vez livre de tudo conseguimos mais do que desejamos. Abraão nada perdeu em oferecer seu filho a Deus. Pelo contrário ganhou tudo. Aprendamos que para chegar à alegria e a glória percorremos um caminho doloroso, o caminho da cruz e do sofrimento.
Agora consideremos a Cristo que uma vez no alto da montanha é transfigurado. É esta a consequência da doação da nossa vida. Deus exige que subamos a montanha, não para nos fazer sofrer, mas para que ao subir sejamos transformados e chegando ao alto sejamos transfigurados. Não existe transfiguração sem a cruz. O sofrimento é necessário para o nosso adiantamento. É “para a vossa educação que sofreis” dirá o autor da carta aos Hebreus. Que graça tão grande é esta subida que o Senhor exige de nós, é esta dificuldade, este sofrimento que estamos passando, vividos em união com o Senhor, que transfiguração tão maravilhosa ele vai realizar em nossa vida. Nada que vivi ou vivo será perdido, tudo está contabilizado no amor divino.
Se formos obedientes ao Senhor veremos um milagre. Às vezes a transformação não se dá apenas no alto do monte, e sim já vai acontecendo ao longo do caminho. A dor deixa de ser dor, o sofrimento deixa de ser sofrimento, as perdas se tornam vitórias, pois passamos a ver o mundo com o olhar transfigurado e ai tudo se torna luminoso. Senhor, eu só tenho que agradecer a ti por todas as dificuldades que tu colocas na minha vida, na minha missão. Elas são frutos do teu amor misericordioso e meios para que eu possa crescer, se melhor, me unir mais a Ti e crescer na caminhada do amor.
Pe. Paulo Sérgio Gouveia
Vigário paroquial da catedral diocesana
Diocese de Campina Grande