Neste domingo escutamos na primeira leitura a angustiosa e dramática confissão do profeta Jeremias. Ela manifesta o profundo sofrimento de um homem escolhido por Deus para anunciar a Palavra. Anunciar uma mensagem que não agrada aos homens. Falar em nome de Deus se torna algo desgastante para o profeta, causa de chacota e de sofrimentos.
Vivemos um tempo na Igreja de reencontro com a Palavra de Deus. A prática da leitura orante da Bíblia é cada vez mais aconselhada pelo Magistério eclesiástico. E deve ser assim mesmo, mas nem sempre paramos para refletir sobre as consequências da escuta da Palavra e também da sua proclamação. Esta Palavra é causa de alegria, mas também de sofrimento, motivo de chacota e de vergonha. Deus se torna fonte de sofrimento para os homens da Palavra Um dia Jesus disse a Santa Tereza D’Avila que “era assim que ele tratava os seus amigos”, a Santa respondeu “por isso tens tão poucos”.
Se no início do encontro com Deus tudo era maravilhoso, Deus era o objeto mais precioso de sua vida, de repente por causa do anúncio da palavra o profeta é motivo de perseguição por parte de seus compatriotas, o seu pão é o sofrimento, sente-se rejeitado por Deus, parece que o Senhor o havia esquecido. Oprimido por tanto sofrimento desejaria fugir à vontade de Deus, mas é-lhe impossível, está seduzido por Deus, Ele o atraiu, levou o profeta ao deserto e lhe falou ao coração e quando Deus atrai é com laços de amor. (Os 2). Há no peito do profeta um fogo ardente que o consome. Este fogo interior é o amor de Deus que o conquistara e o cativara e que o arrasta fazendo com que ele vença qualquer inclinação natural e prossiga a sua missão. Fogo que não se consome como a sarça ardente da história de Moisés (Ex 3).
No evangelho encontramos a palavra de Jesus e a perplexidade dos apóstolos, se antes ele anunciava o Reino de Deus agora ele anuncia a paixão, o sofrimento, o desprezo pelos homens. Ele sabe que deve ir a Jerusalém a fim de sofrer muito, ser rejeitado pelos homens. Palavra dura para os apóstolos e para o homem de todos os tempos, nada de autorrealização, de seguir os próprios desejos e sim de tomar a cruz, de renunciar a si mesmo. É na renuncia que se encontra a verdadeira realização. Pregar esta palavra é difícil tanto para os outros como para nós mesmos, como homens da Igreja. O seguimento de Jesus não está na busca pelo poder, pelo dinheiro, pelos cargos e títulos eclesiásticos, pelas rendas e ostentação das “belas celebrações” que muitas vezes ficam apenas na exterioridade, que faz bem aos olhos, mas não toca o coração e por isso, não converte nem a nós que a presidimos. Muitas vezes as rendas e as ostentações obscurecem a cruz e já dizia Santa Rosa de Lima: “a cruz é a escada que nos conduz ao paraíso”.
Devemos percorrer o mesmo caminho que Cristo percorreu. Seguir Jesus é imitá-lo tanto nos desprezos como na boa fama, para que a nossa glória seja a cruz do Senhor. Segundo Santo Tomás não há outro caminho. São Jerônimo afirmava que “precisamos abraçar a cruz de cada dia, não só em tempos de perseguição ou quando se apresenta a possibilidade de martírio, mas em todas as situações”. O cristão não deve passar um único dia sem cruz: nenhum dia que não carreguemos a nossa cruz em união com o Senhor, em que não aceitemos o seu jugo.
Pe. Paulo Sérgio Gouveia
Vigário paroquial da Catedral diocesana
Pe. Paulo Sérgio Gouveia
Vigário paroquial da Catedral diocesana