sábado, 21 de março de 2015

Homilia do V Domingo da Quaresma (Jo 12,20-33)


A leitura do profeta Jeremias começa dizendo que Deus vai concluir uma nova aliança com a casa de Israel. Vai imprimir a lei em suas entranhas e escrevê-la em seus corações.
 
Quando Deus libertou o povo da escravidão do Egito fez com eles uma aliança dando-lhes os dez mandamentos em uma tábua de pedra, celebrada com o sangue de um cordeiro. Mas o povo durante a sua história sempre violou esta aliança. Ela era figura da verdadeira aliança que seria feita com o sangue de Jesus. Tinha a finalidade de preparar o povo para acolher a verdadeira aliança que seria celebrada no coração de cada um. O fato de ter sido escrita em tábuas de pedra significava a dimensão da exterioridade. Todo o Antigo Testamento, como afirma Santo Irineu, “é um processo pedagógico que conduz o homem para Cristo, é um caminhar das coisas exteriores para as interiores”. Para viver esta interioridade seria necessária a vinda do Espírito Santo que habitará os corações dos fiéis. 

No evangelho vemos uma antecipação da paixão de Jesus. Chegou a hora de ser celebrada a nova aliança, agora não mais com a morte de um cordeiro e sim com o oferecimento da vida do próprio Filho de Deus. Jesus percebe que chegou a hora por que um grupo de gregos se aproxima dos apóstolos e diz: “queremos ver Jesus”. Enquanto que os judeus querem matá-lo, os pagãos o procuram. É a hora da glorificação. A nova aliança será feita com a glorificação do Filho. Porem, onde será esta glorificação? Na cruz. E Jesus já começa a antecipar a angústia que sentirá no Jardim das Oliveiras. 

A Nova aliança será celebrada com o sangue de Cristo, com o seu sofrimento. Para quem quer ver Jesus somente poderá contemplá-lo na cruz. Quando ele estava no alto da cruz sofrendo todas as dores na realidade estava sendo glorificado pelo Pai. E todo aquele que quiser seguir Jesus vai escutar dele “onde eu estou estará meu servo”. Onde ele está? Na cruz. Por isso, Paulo afirma “estou crucificado com Cristo”. É crucificado com Cristo que serviremos a Cristo. São Cirilo de Alexandria diz: “Assim como o autor da salvação não fez o seu caminho através da glória e nem das comodidades, senão através da desonra e do sofrimento, também nós, devemos fazer o mesmo caminho para chegar ao mesmo lugar e participar de sua glória”. 

Na realidade participar da nova aliança é fazer o “memorial” do crucificado e isto se dar quando celebramos a eucaristia, mas esta memória não pode ficar na celebração eucarística, é preciso que seja traduzida em nossas vidas pela solidariedade para com os que sofrem, para com os “crucificados da sociedade”. “Se alguém me serve meu Pai o honrará” e onde serviremos a Cristo? Nos dois lugares onde Cristo gosta de estar, na eucaristia com a sua presença real e substancial e nos pobres, doentes, maltratados onde está a sua presença espiritual mais não menos real. É assim que se faz o caminho de Jesus.

Cristo dirá que “quando for elevado da terra atrairei todos a mim”. Ser elevado é ser crucificado, é morrer com as mãos estendidas. Santo Atanásio diz: “Somente com a morte de cruz se morre com as mãos estendidas. Era conveniente que o Senhor sofresse essa morte e estendesse as suas mãos, com uma atrairia o povo judeu e com a outra os pagãos e assim todos seriam atraídos a Ele”.

Pe. Paulo Sérgio Gouveia
Vigário paroquial da catedral diocesana
Diocese de Campina Grande





domingo, 15 de março de 2015

Homilia - IV Domingo da Quaresma - Jo 3,14-21



Na liturgia de hoje contemplemos uma palavra de São Paulo: “Deus é rico em misericórdia”. O maior atributo de Deus é a sua misericórdia. Toda a história da Salvação é a história da misericórdia de Deus, misericórdia está que consiste em nos salvar da nossa miséria que em último grau é consequência dos nossos pecados. E a sua misericórdia é uma decorrência do seu grande amor que nos arrancou, segundo Paulo, da morte do pecado, nos ressuscitou e nos faz sentar ao lado de Cristo nos céus.

Pois o amante deseja que a amada seja igual ao amado e por isso, Deus por amor desce e assume a nossa miséria e nos transformando nos toma para si fazendo com que sentemos ao lado de Cristo e nos tornemos participantes da sua vida divina. 

Então pela segunda leitura aprendemos que Deus é rico em misericórdia. Mas, é preciso entender bem o que seja esta misericórdia. Vejamos a primeira leitura para aprendermos como é que o Senhor exerce esta misericórdia. O povo de Deus no Antigo Testamento pediu ao Senhor uma terra, um rei e um Templo. Deus lhes concedeu estes três pedidos e lhes deu terra, trono e templo com a condição de que este povo fosse fiel a Lei do Senhor. Esta foi à aliança que Deus fez com eles: vocês serão o meu povo e eu serei o vosso Deus, eu lhes concederei paz e vida plena e vocês obedecerão a minha Palavra. 

Mas quando o Povo de Deus obteve estes benefícios se esqueceram da aliança e abandonaram o Senhor não vivendo mais a sua Palavra. Começaram a imitar as práticas abomináveis das outras nações e seguiram outros deuses. Deus na sua misericórdia lhes enviou seus profetas que denunciavam o pecado daquele povo, mas eles não deram ouvidos aos profetas. Cada vez mais se afastavam de Deus. 

Deus não sendo escutado pelo povo usou a sua misericórdia de outra forma o Império da Babilônia invadiu Israel e o povo perdeu a terra, o trono e o templo. Nabucodonosor levou o povo cativo para Babilônia e lá eles viveram como escravos por setenta anos. Podemos imaginar o sofrimento e a humilhação que aquele povo sofreu. Parecia que Deus os havia abandonado. Lendo estas palavras na Bíblia podemos pensar que o Deus do Antigo Testamento era um Deus vingador e o do Novo misericordioso. Estamos errados, pois o Deus da Bíblia é um só e como afirmou Paulo Ele é rico em misericórdia. 

Deus é a própria misericórdia e ele exerce esta misericórdia não somente quando nos oferece favores, mas também quando nos faz assumir as consequências de nossos erros. Pois Ele é misericórdia até mesmo quando nos “castiga”. O amor que fez Deus dá ao povo tantos benefícios é o mesmo amor que fez com que Ele permitisse que o povo fosse levado como escravo para a Babilônia. A crise e o fracasso de Israel devem ser encarados tanto como uma consequência da sua infidelidade e da sua falta de confiança em Deus, como também de uma provação que fará com que Israel se volte para o Senhor. 

O sofrimento passa a ter uma dimensão pedagógica: Deus que é fiel e misericordioso, não abandona os seus, mas os chama através dos acontecimentos da historia seja de ordem pessoal ou comunitária a conversão. Por isso que, na provação não devemos nunca pensar que Deus nos abandonou e sim que “Ele me leva por este caminho para que eu possa fazer uma revisão de minha vida olhando os momentos de infidelidade para que eu possa mudar e ser fiel a Ele”. 

O autor da Carta aos Hebreus afirma “é para vossa educação que sofreis”. Deus é sempre amor e tem um amor tão grande que enviou o seu próprio Filho para que todo aquele que acredite em Jesus possa ser salvo. Ele sempre nos salva e Jesus está sempre conosco tanto nas horas alegres como nas horas amargas. A fé nos ensina que tudo o que acontece está no coração de Deus e sempre é o melhor para nós. 
Assim Santa Catarina de Sena diz “àqueles que se escandalizam e se revoltam com o que lhes acontece”: “Tudo procede do amor, tudo está ordenado à salvação do homem, Deus não faz nada que não seja para esta finalidade”. E Juliana de Norwich: “Aprendi, portanto, pela graça de Deus, que era preciso apegar-me com firmeza à fé e crer com não menor firmeza que todas as coisas irão bem... “Tu mesma verás que qualquer tipo de circunstância servirá para o bem”. Enfim acontece o que acontecer Deus é sempre rico em misericórdia. Amém

Pe. Paulo Sergio Gouveia
Vigário paroquial da catedral diocesana
Diocese de Campina Grande

sábado, 7 de março de 2015

Homilia - III Domingo da Quaresma (Jo 2,13-25)



Neste terceiro domingo da quaresma Jesus sobe a Jerusalém para participar da festa da Páscoa. Chegando lá e entrando no Templo, Jesus se depara com um comércio. É o que nos costumamos dizer: “os vendilhões do Templo”. Mas o que significa o Templo?

No Antigo Testamento Deus habitava no Monte Sinai, foi para onde Moisés no Êxodo conduziu o povo e lá Deus lhes deu os mandamentos que escutamos na primeira leitura. Estes mandamentos eram uma preparação para que Deus pudesse habitar no meio do povo. Por isso, logo depois de lhes ter dado os mandamentos Deus mandou Moisés fazer um Tabernáculo. Podemos dizer que “Deus deixou a montanha e foi morar no Tabernáculo, no meio do povo”, mas era preciso que o povo se mantivesse puro para poder “suportar” a presença poderosa de Deus. 

Anos depois Salomão construiu para Deus um Templo em Jerusalém. Agora o Poderoso habita em Jerusalém, a cidade santa. Mas, não era desejo de Deus habitar em um templo de pedra. Ele queria morar em outro Templo, por isso enviou o seu Filho Jesus que se tornou a verdadeira morada de Deus entre os homens. Através de Jesus Deus realizou o seu “sonho” habitar no coração de cada homem. São Paulo diz que “somos templos de Deus”. Então vejamos o itinerário: Monte Sinai, Tabernáculo, Templo de Salomão, Jesus, a Igreja e na Igreja cada um de nós. 

Então na realidade este evangelho não é para falar sobre o Templo de Jerusalém, mas primeiro do Templo que é a Igreja, de cada um de nós. E aqui fico confuso, sinto temor e tremor, pois em primeiro lugar estamos nós os pastores. “Quem são aqueles que vendem bois, ovelhas, pombas? São os mesmos que na Igreja buscam seus próprios interesses. São aqueles que distribuem os sacramentos a preço de honras, dignidades e títulos”. Dirá Santo Agostinho. São aqueles que estão na Igreja muito mais para despojá-la do que para servi-la. São aqueles que estão preocupados em fazer seu “pé de meia” com o dinheiro dos pobres. 

Santa Catarina de Sena em uma de suas cartas afirma sobre os pastores: “O amor dos pastores é hoje um amor mercenário, egoisticamente e por interesses pessoais ama a Deus e ao próximo. É um amor tão egoísta que melhor seria chamá-lo de ódio mortal. Hoje os pastores não se preocupam com o comércio das graças do Espírito Santo. Como ladrões roubam a glória divina para si. Não procuram corrigir. Enxergam o lobo infernal levando as ovelhas e fecham os olhos. Por isso não veem, não corrigem. A razão é o egoísmo, pois é dele que procede o desordenado temor. Ao perceberem que tem os mesmos vícios dos fiéis sentem travadas as mãos e a língua para corrigi-los”. 

Por isso, primeiro que tudo cabe a nós que somos os pastores da Igreja purificar o nosso coração com o chicote do Espírito Santo para podermos ajudar os nossos paroquianos na sua caminhada quaresmal. Jesus não pode tolerar os mercenários, que em nome de Deus se aproveitam das coisas sagradas para enriquecimento próprio. 

Mas a Igreja não é formada apenas pelos pastores. Todos os cristãos são morada do Espírito Santo e nesta quaresma somos todos chamados à conversão. Nossos corpos são templos do Espírito e o Senhor não quer que nada de estranho habite nele. É por isso que, muitas vezes usará do chicote para nos purificar. Orígenes afirma que "este chicote significa a força do Espirito Santo que faz com que através da sua ação faz com que desapareça os malvados". Deus tem zelo por nós, não quer que percamos a nossa dignidade por causa do pecado. Por isso, abramos o nosso coração ao Senhor examinemos a nossa vida a luz dos mandamentos e comecemos uma vida nova. 

Por outro lado mesmo que na Igreja existam “os vendilhões” que, não esqueçamos, muitas vezes somos nós mesmos e que fere o coração de Jesus, não esqueçamos as palavras de Santo Agostinho: “Então, aqueles que quiseram fazer da casa de Deus um covil de ladrões, por acaso destruíram o templo? Não. Assim também aqueles que vivem mal na Igreja Católica, quanto está em seu poder, quer fazer da casa de Deus um covil de ladrões; nem por isso destroem a Igreja. Pois virá o tempo que devido aos seus pecados serão lançados fora”. Então, não esqueçamos o que São Paulo diz, quem tenta destruir o templo de Deus será destruído. Recado para todos nós.

Pe. Paulo Sérgio Gouveia
Vigário paroquial da catedral diocesana
Diocese de Campina Grande