I. BREVE HISTÓRICO
O Papa Francisco proclamou o Jubileu extraordinário da Misericórdia no dia 11 de abril de 2015, véspera da celebração anual do Domingo da Misericórdia (o segundo domingo da Páscoa), mediante a Bula “Misericordiae Vultus- O Rosto da Misericórdia” (MV).
Chama-se Jubileu “extraordinário” para distingui-lo do Jubileu ordinário, que tem lugar na Igreja Católica a cada 50 anos. A expressão “jubileu” procede da palavra hebraica yobal, trombeta ou berrante com o qual se anunciava, a cada 50 anos (a cada “sete semanas de anos”), um ano santo, dedicado à pacificação social: perdão de dívidas, recuperação de bens, libertação de servos, etc. (cf. Levítico 25, 8-10).
O Ano jubilar iniciou-se em 8 de dezembro de 2015, solenidade da Imaculada Conceição, data em que se comemoraram os cinquenta anos do encerramento do Concílio Vaticano II (MV, n. 4). Também, em 2015 completaram-se vinte e cinco anos da publicação da Encíclica de são João Paulo II “Dives in misericordia-[Deus] rico em misericórdia” de 30/11/1980 (MV, n. 11).
O Jubileu extraordinário terminará na solenidade litúrgica de Jesus Cristo, Rei do Universo, no dia 20 de novembro de 2016 (MV, n. 5).
Como sabemos a “Porta Santa” da basílica de São Pedro foi aberta pelo Papa em 8 de dezembro de 2015. E as Portas Santas da catedral de Roma (S. João do Latrão) e das diversas dioceses, Prelazias, etc, foram abertas em 13 de dezembro, terceiro domingo do Advento.
II. POR QUE O JUBILEU DA MISERICÓRDIA?
O Papa Francisco explicou-o na homilia que pronuncio durante a liturgia das primeiras Vésperas do Domingo II da Páscoa – Domingo da Divina Misericórdia –, em 11/04/2015.
«Por que motivo um Jubileu da Misericórdia, hoje? – perguntava ―. Simplesmente porque a Igreja é chamada, neste tempo de grandes mudanças […], a oferecer mais vigorosamente os sinais da presença e proximidade de Deus[…]. É o tempo para a Igreja reencontrar o sentido da missão que o Senhor lhe confiou no dia de Páscoa: ser sinal e instrumento da misericórdia do Pai (cf. Jo 20,m 21-13) […]. Um Ano Santo para sentirmos intensamente em nós a alegria de ter sido reencontrados por Jesus, que veio, como Bom Pastor, à nossa procura, porque nos tínhamos extraviado […].
»Um Ano em que sejamos tocados pelo Senhor Jesus e transformados pela sua misericórdia para nos tornarmos, também nós, testemunhas da misericórdia. É o tempo favorável para tratar as feridas, para não nos cansarmos de ir ao encontro de quantos estão à espera de ver e tocar sensivelmente os sinais da proximidade de Deus, para oferecer a todos, a todos, o caminho do perdão e da reconciliação».
O Papa reafirma essa finalidade, de diversas maneiras, ao longo da Bula Misericordiae Vultus.
III. QUE SIGNIFICA “MISERICÓRDIA”?
Na linguagem bíblica, a misericórdia é o amor de Deus para com a humanidade decaída, para com o homem pecador, que somos todos nós – Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e não há verdade em nós, diz São João (1 Jo 1, 8). E em Jesus, nosso Salvador – o Redentor que tira o pecado do mundo (Jo 1, 29) –, encontramos a manifestação perfeita da misericórdia do Pai.
«Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai», assim começa o Papa Francisco a Bula Misericordiae vultus (n. 1). Na sua encíclica Dives in misericordia, são João Paulo II, também dizia de Cristo: «Ele próprio é, em certo sentido, a misericórdia» (n. 7), e afirmava que a misericórdia «é o segundo nome do amor de Deus».
Naquela mesma encíclica, são João Paulo II aprofundava no sentido bíblico da misericórdia, comentando as duas palavras que, no texto hebraico da Sagrada Escritura, exprimem a misericórdia de Deus:
─ Hesed. Da parte de Deus, significa a lealdade, a fidelidade dEle ao seu amor (que nunca se desmente) e às suas promessas (de escolha, de salvação).
─ Rahamim. Aplica-se ao amor de mãe, ao carinho materno que «dá origem a uma gama de sentimentos, entre os quais a bondade e a ternura, a paciência e a compreensão, a prontidão para perdoar» (DM, nota 52).
O Papa Francisco diz: «Misericórdia é o caminho que une Deus ao homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado […]. Eterna é a sua misericórdia: esse é o refrão que aparece em cada versículo do Salmo 136, ao mesmo tempo que se narra a história da revelação de Deus» (MV, nn. 2 e 8).
Desta divina misericórdia, são João Paulo II ressaltava dois traços:
─ Primeiro: «Infinita e, portanto, inexaurível é a prontidão do Pai em acolher os filhos pródigos que voltam à sua casa. São infinitas também a prontidão e a força do perdão que brotam continuamente do admirável valor do Sacrifício do Filho. Nenhum pecado prevalece sobre essa força e nem sequer a limita. Da parte do homem, pode limitá-la a falta de boa vontade, a falta de prontidão na conversão e na penitência» (DM, n. 83).
De modo análogo, o Papa Francisco diz: «Perante a gravidade do pecado, Deus responde com a plenitude do perdão. A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus que perdoa» (MV, n. 3).
─ Segundo: «A misericórdia manifesta-se com a sua fisionomia verdadeira e própria quando reavalia, promove e sabe tirar o bem de todas as formas de mal existentes no mundo e no homem» (DM, n. 44). Deus, dos pecados dos homens, “tirou” a entrega redentora de Cristo.
IV. AS DUAS DIMENSÕES DA MISERICÓRDIA
O lema do Ano Jubilar é Misericordiosos como o Pai (MV, n. 13), síntese das palavras de Jesus no Sermão da Montanha: Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso (Lc 6, 37). As duas dimensões da misericórdia, são, por assim dizer:
─ A dimensão “vertical”. Como o vosso Pai… O amor misericordioso do Pai é a fonte e o modelo da misericórdia dos homens. O Jubileu nos exorta a fazer uma intensa experiência pessoal da misericórdia de Deus, do perdão de Deus. É o que poderíamos chamar a “dimensão vertical” da misericórdia: o perdão oferecido por Deus Pai aos homens, que vai ao encontro do arrependimento do pecador que recorre a Ele, arrependido (cf. Lc 15, 11-24).
─ A dimensão “horizontal”. Sede misericordiosos. É a misericórdia que devemos praticar com todos os nossos irmãos, os homens. Essa dimensão concretiza-se, sobretudo, na prática das “obras de misericórdia”, de que falaremos depois (cf. MV, n. 15).
A) O PERDÃO DE DEUS (dimensão “vertical”)
O Sacramento da Reconciliação
─ Em primeiro lugar, o Papa Francisco pede a todos: «Com convicção, ponhamos novamente no centro o Sacramento da Reconciliação [a confissão], porque permite tocar sensivelmente a grandeza da misericórdia. Será, para cada penitente, fonte de verdadeira paz interior» (MV, n. 17). Quer dizer que a confissão deverá estar “no centro” do Ano Jubilar, no centro da vida da Igreja, como um empenho primordial dos confessores e dos fiéis em geral.
Neste sentido, o Papa fala de que é sua intenção enviar, na Quaresma deste Ano Santo, os Missionários da Misericórdia, «sacerdotes a quem, darei autoridade de perdoar até mesmo os pecados reservados à Sé Apostólica»; e pede que, nas diversas dioceses, esses confessores sejam acolhidos, e nelas se organizem «missões populares», ou seja, pregações, que anunciem «a alegria do perdão»: «seja-lhes pedido [a esses confessores] que celebrem o Sacramento da Reconciliação para o povo, para que o tempo de graça, concedido neste Ano Jubilar, permita a tantos filhos afastados encontrar de novo o caminho para a casa paterna» (MV, n. 18). «Quem erra – diz ainda o Papa – deve descontar a pena; só que isso não é o fim, mas o início da conversão, porque se experimenta a ternura do perdão» (MV, n. 21).
O Papa Francisco convida com veemência à conversão: «Este é o momento favorável para mudar de vida! Este é o tempo de se deixar tocar o coração… Deus não se cansa de estender a mão» (MV, n. 19). E insiste em que Deus oferece ao pecador «uma nova possibilidade de se arrepender, converter e acreditar» (MV, n. 21).
A Indulgência do Jubileu
«No sacramento da Reconciliação – lemos na Bula do Ano Jubilar –, Deus perdoa os pecados, que são verdadeiramente apagados; mas o cunho negativo que os pecados deixaram nos nossos comportamentos e pensamentos permanece. A misericórdia de Deus, porém, é mais forte também do que isso. Ela torna-se indulgência do Pai que, através da Esposa de Cristo [a Igreja], alcança o pecador perdoado e liberta-o de qualquer resíduo das consequências do pecado, habilitando-o a agir com caridade, a crescer no amor em vez de recair no pecado» (MV, n. 22).
Mesmo tendo recebido a graça do perdão das culpas – pecados realmente “apagados”por Deus –, ficam em nós alguns «resíduos», como que um lastro negativo, uma ferida não plenamente fechada, que os pecados deixam na alma; a isso se soma a culpa dos pecados veniais não perdoados (faltas leves, das quais não nos arrependemos e que se vão adicionando).
O católico sabe bem que a purificação desses «resíduos» de pecado, se não foi feita nesta terra, terá que ser feita no Purgatório. É por isso que rezamos pelos defuntos, para que, com a ajuda das nossas Missas, preces, etc, Deus lhes abrevie a purificação após a morte e lhes abra quanto antes as portas do Céu.
Um meio que a ação maternal da Igreja emprega para nos ajudar nessa purificação, é a concessão de indulgências. Dentro do Corpo místico de Cristo, que é a Igreja, há um tesouro de santidade e de méritos (de Cristo, da Virgem, dos santos do Céu, dos santos e santas anônimos da terra…), que o Papa tem o poder de administrar para o nosso bem: O que atares na terra será atado no Céu…, disse Jesus a Pedro (Mt 16, 19). Quer dizer que pode atribuir, “aplicar” a nós, riquezas desse “tesouro”, como se esses méritos fossem nossos, de modo que possamos “pagar adiantado” (para expressar esse mistério em linguagem popular) – total ou parcialmente –, a “dívida” que deveríamos saldar no Purgatório.
Pois bem, uma das ajudas generosas que a Igreja nos oferece neste Ano Jubilar é a facilidade de ganharmos indulgência plenária (remissão de toda a pena temporal, ou seja, de toda a pena do Purgatório devida pelos pecados já perdoados). Para ganhar a indulgência, além de detestar o pecado, precisamos de cumprir as condições gerais – as habituais para lucrar indulgências –, e cumprir algumas práticas estabelecidas pelo Papa neste Ano Jubilar para ganhar o a indulgência plenária do Jubileu.
1) Condições gerais para ganhar indulgência plenária, em qualquer época: Além de realizar a obra indulgenciada:
– ter confessado individualmente e comungado com as devidas disposições no dia em que se realiza a obra indicada, ou cerca de oito dias antes ou depois.
– no local onde realizamos a obra indicada, rezar o Credo (Creio em Deus Pai)
– rezar também então alguma oração (por exemplo, um Pai-nosso e uma Ave-Maria) pela pessoa e intenções do Papa.
b) obras indulgenciadas no Ano Jubilar:
─ A principal, e mais específica, é a peregrinação. Trata-se da peregrinação que se faz para entrar pela “Porta Santa” das igrejas jubilares, definidas para este fim pelo bispo de cada diocese (informar-se na Cúria respectiva ou na paróquia).
«Cada pessoa – diz o Papa – deverá fazer, segundo as suas próprias forças, uma peregrinação»…, que «há de servir de estímulo à conversão: ao atravessar a Porta, deixar-nos-emos abraçar pela misericórdia de Deus e comprometer-nos-emos a ser misericordiosos com os outros» (MV, n. 14).
Na prática (dependendo da idade, saúde, condições físicas, etc.) bastará caminhar um certo trecho pela rua ou estrada até chegar à igreja jubilar, e, dentro dela – é uma condição necessária – rezar o Credo e a oração pelo Papa de que falamos acima. Outros, poderão fazer uma caminhada mais longa, penitente, como os tradicionais peregrinos da história da Igreja.
O Papa fala também – MV, n. 14 – de «etapas de peregrinação interior», que não são “obras prescritas”, mas levam a nos preparar mais plenamente para obter os benefícios da indulgência. São as atitudes de misericórdia para com o próximo que Cristo indica no Sermão da Montanha: Não julgueis e não sereis julgados, não condeneis e não sereis condenados, perdoai e sereis perdoados, dai e ser-vos-á dado…(Lc 6,37-38).
Em carta oficial a D. Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, de data 1/12/2015, o Papa Francisco estende a possibilidade de ganhar a indulgência jubilar (sempre com as condições já mencionadas), aos seguintes casos:
─ Os que, por diversos motivos, estiverem impossibilitados de ir até a Porta Santa, sobretudo os doentes e as pessoas idosas e sozinhas, bastará que ofereçam a Deus a provação da doença e do sofrimento, unidos aos sofrimentos da Paixão de Jesus. Se podem, recebam a Comunhão, ou pelo menos participem da Missa ou de orações comunitárias através de qualquer um dos vários meios de comunicação (tv, rádio, internet, etc.).
─ Também os encarcerados poderão obter a indulgência nas capelas dos cárceres, e todas as vezes que passarem pela porta da cela, dirigindo o pensamento e a oração ao Pai.
─ Além disso, os fiéis, em geral, poderão obter a indulgência jubilar todas as vezes que praticarem uma ou mais obras de misericórdia corporais ou espirituais.
─ Enfim, a indulgência jubilar poderá ser aplicada também em favor dos que faleceram (não em favor de pessoas vivas, como é norma para qualquer indulgência).
B) AS OBRAS DE MISERICÓRDIA (dimensão “horizontal”)
Por desejo do Papa Francisco, um dos principais empenhos de todos os fiéis, no Ano Jubilar, deve ser a prática generosa, perseverante e intensa das “obras de misericórdia” (Ver Catecismo da Igreja, n. 2447).
Para podermos praticar bem as obras de misericórdia com o próximo, tenhamos presente o que diz o Papa Francisco: «Para ser capazes de misericórdia, devemos primeiro pôr-nos à escuta da Palavra de Deus. Isso significa recuperar o valor do silêncio, para meditar a Palavra que nos é dirigida. Deste modo, é possível contemplar a misericórdia de Deus e assumi-la como próprio estilo de vida» (DV, n. 13).
A Bula Misericordiae vultus expõe esse importante aspecto da vivência do Ano Juibilar, especialmente, no n. 15, de que fazemos a seguir um extrato:
«Neste Ano Santo, poderemos fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática […]
»Neste Jubileu, a Igreja sentir-se-á chamada ainda mais a cuidar destas feridas, aliviá-las com o óleo da consolação, enfaixá-las com a misericórdia e tratá-las com a solidariedade e a atenção devidas […]. Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda. As nossas mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor da nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que o seu grito se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indiferença que frequentemente reina soberana para esconder a hipocrisia e o egoísmo.
»É meu vivo desejo que o povo cristão reflita, durante o Jubileu, sobre as obras de misericórdia corporal e espiritual. Será uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina. A pregação de Jesus apresenta-nos estas obras de misericórdia, para podermos perceber se vivemos ou não como seus discípulos.
» Redescubramos as obras de misericórdia corporal: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos.
» E não esqueçamos as obras de misericórdia espiritual: aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e defuntos».
É um amplo programa que convida cada fiel cristão a concretizar, com iniciativas generosas, o seu modo próprio de viver neste Ano Santo – individualmente ou com outras pessoas –, o lema do Jubileu: Misericordiosos como o Pai.
Fonte:
http://pt.aleteia.org/2016/01/06/tudo-o-que-voce-precisa-saber-sobre-o-ano-da-misericordia/